A habilidade de viver no modo mindful
Frente ao ritmo de vida frenético da atualidade e seu impacto em nossa saúde física e mental, a habilidade de viver mais no “modo mindful” é preciosa para quem busca bem-estar, foco e qualidade de vida. A seguir, publicamos o texto que resultou de uma entrevista com o médico Marcelo Trombka*, especialista no assunto.
Eu vejo o Mindfulness como algo parecido com a atividade física, no sentido de também ser um treinamento. Poderia dizer que é uma “musculação cerebral”, seria algo como exercitar o músculo cerebral da atenção.
Existe uma ideia de que meditar é difícil, que não é para qualquer pessoa. Mas ocorre o mesmo processo quando iniciamos uma atividade física. Da mesma forma que levamos alguns meses para obter um bom condicionamento, é preciso praticar as Meditações Mindfulness e o Mindfulness no cotidiano com regularidade. Assim, ele se tornará cada vez mais habitual. O corpo e a mente vão se adaptando.
Atualmente, todos sabem dos benefícios que a atividade física traz para a saúde, bem como a alimentação saudável e sono adequado. As diretrizes cada vez reforçam mais a importância da prevenção e promoção da saúde. Nos últimos anos, as práticas de mindfulness e meditação entraram neste rol, passando a fazer parte das ações preventivas e de cuidados com a saúde basedas em evidência.
Existem evidências que demonstram que o treinamento em Mindfulness promove aumento de bem-estar e qualidade de vida, melhora da memória e da criatividade, além da reduzir ansiedade, estresse, sintomas depressivos e dor crônica.
De fato, a neurociência demonstra o aumento da ativação e o maior volume de regiões específicas do cérebro como o córtex pré-frontal, hipotálamo e ínsula em quem pratica Mindfulness. Estas áreas estão relacionadas ao controle atencional, memória, regulação das emoções, tomada de perspectiva e autoconsciência.
Nosso cérebro é “esculpido” ao longo de toda nossa vida de acordo com as novas experiências. Esta plasticidade cerebral é fascinante, pois chancela que não somos vítimas do nosso passado; temos o potencial de recriarmos nossa mente e nossa realidade dia após dia.
Mas, afinal, como definir Mindfulness? É o estar atento e aberto ao que acontece enquanto acontece. Possui 2 componentes: atenção e atitude. É prestar atenção no momento presente, intencionalmente, sem julgamentos. Sem julgamentos quer dizer ter uma atitude aberta, gentil, com aceitação e curiosidade para cada experiência de nossa vida.
Isto chamamos de “mente de principiante”. Em contraponto ao habitual modo “piloto automático”, exercitamos (é um treino) a capacidade de se relacionar de uma maneira radicalmente diferente com cada experiência que compõe a nossa vida, observando a experiência direta de cada momento como se fosse a primeira vez. Em uma sociedade que nos estimula a todo instante a nos distrair, ter, comprar, rotular, julgar, poder parar e estar presente me parece algo “revolucionário” - se não fosse milenar.
Pesquisas mostram que o ser humano passa, em média, metade das nossas vidas com a mente absorta no passado ou no futuro. Este excesso muitas vezes contribui para sintomas de depressão e ansiedade, respectivamente. Poder trazer essa qualidade de atenção que falamos para o momento presente, seja para os relacionamentos afetivos, trabalho ou lazer, seja para pequenas experiências do cotidiano como sentir o sabor da comida ou toque da água no banho, é super importante para nossa saúde mental. Alguns autores chamam isso de iluminação “contemporânea”, não precisamos necessariamente abandonar tudo, ir lá para os himalaias ou para baixo de uma árvore. Sabemos que cerca de 30% dessa capacidade de atenção ao presente está relacionado a nossa genética, felizmente 70% é treinável, é uma habilidade que podemos melhorar.
E como acontece este treino? Classicamente, temos as práticas meditativas, que são milenares e presentes em diversas culturas, com diferentes técnicas. Do ponto de vista cognitivo, a meditação mindfulness está dentro da família das técnicas meditativas atencionais. Foram adaptadas das tradições contemplativas orientais para a nossa cultura. Não se trata de algo esotérico.. É para a vida prática mesmo.
Também temos as práticas de mindfulness ditas “informais”, quando ancoramos nossa atenção ao momento presente em atividades do dia-dia. Conectar aos sentidos durante o banho, com atenção a temperatura da água, toque do sabonete no corpo, seu cheiro, por exemplo, é uma maneira, por exemplo. Também, é possível praticar mindfulness durante os movimentos naturais do cotidiano, como quando caminhamos ou em uma atividade física, conectando-se ao momento presente por meio das sensações do corpo. É preciso desligar do estado de “piloto-automático”, onde as coisas passam e não percebemos por não estarmos efetivamente presentes. Como disse certa vez John Lennon, a vida é aquilo que acontece enquanto você está planejando o futuro.
*Marcelo Trombka é Médico (UFCSPA), Sócio da Associação Brasileira de Psiquiatria. Doutorado em Psiquiatria e Ciências do Comportamento em andamento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instrutor de Mindfulness certificado pelo Mente Aberta - Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção de Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Treinamento em Mindfulness-Based Cognitve Therapy pelo Oxford Mindfulness Centre. Oferece palestras, workshops e grupos de mindfulness para o público em geral e empresas na Região Sul do Brasil.
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